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18 de mar. de 2016

As Mulheres de Sexta - 3º conto



Lorem

Era sexta-feira, a primeira de suas férias, era natural que estivesse preguiçosa. Ainda deitada tentou fazer uma agenda mental do seu dia. Queria aquele dia de presente.  O telefone no criado mudo piscava o aviso de mensagem. Era só uma mensagem de bom dia. Mas a fez sorrir. Levantou-se sem pressa.
Sentada a mesa, com a xícara de café quente, ela ainda pensava em na mensagem, na verdade em quem a mandava.  Relembrava seus traços, seu sorriso... Triste historia aquela, triste como a sua.  Triste como tantas outras acontecidas no caminho. Mas a poesia não carrega certa tristeza que a fez bonita?
Algumas vezes ela se questionava sobre si mesmo, sobre valer a pena, sobre escolhas...
Quando menina, apanhara uma vez, por ter beijado uma amiga na escola, quando adolescente achou que estava doente e acabou por namorar um menino, engravidou, abortou, sofreu triplamente, a dor de ser humilhada, excluída.
Foi violentada, pois lhe diziam que faltava homem. Ela resistia. Ela era forte, tinha que ser. Lutava sozinha por muitos anos, e nem sempre para ser aceita, mas muitas vezes para sobreviver.
Através dos anos foi uma batalha ser quem era; para vencer nos campos que escolhera brigar. E ainda era. E sempre seria, mas valia a pena. E valia a pena quando ela fechava os olhos e podia pensar no sorriso que lhe derretia a alma gelada, quando pensava nos olhos que a faziam tremer dos pés a cabeça quando a encaravam.
O mundo não estava perfeito e o caminho era longo. Mas ela não estava mais sozinha.
Era sexta-feira ela poderia fazer o que quisesse, era manhã, havia um dia inteiro pela frente, mas ela decidiu que naquela sexta-feira, era hora de declarar-se. De novo, e de novo, e de novo. Esperou impaciente pelo fim do dia, aprontou-se com cuidado, queria estar bonita. 
Caminhou apressada para encontrar a parte que lhe faltava no coração.

Abraçaram assim, na rua. As duas, cabelos ao vento, olharam-se com carinho, beijaram-se, sorriram. A vida também existia ali.

Eu te amo – ela disse – faz amor comigo?!



4 de mar. de 2016

As mulheres de sexta - 2° conto




Lucia.



 Era noite de sexta-feira quando ela olhou o cinto de couro marrom esticado na porta do armário. Um frio correu-lhe pela espinha, e uma imensidão de pensamentos passou por sua cabeça.
O Relógio batera 18 horas, o maldito relógio que lhe dizia com batidas sonoras cada hora que passava. Ela andou silenciosa pela casa, olhando os cantos, os quadros, as moveis. Conhecia tão bem aquela casa que se não enxergasse andaria sem medo por cada cômodo, Alias, fazia isso regularmente, caminhava em total silencio e no escuro.
Parou no meio do quarto, aquele cômodo era aterrorizante. Era triste olhar para aquelas paredes, aquele piso, aqueles moveis...
O ar começava a deixar seus pulmões, estava nervosa. Sentia a mãos suaves e o corpo tremer de leve. A cabeça lhe pesava. Por um instante viu toda sua vida em flashs. Lembrou-se da infância pobre, mas feliz. Sua família sempre fora de amor, seus pais estavam juntos há mais de 40 anos e sempre foram apaixonados. Uma tristeza profunda a tomou.
Não tinha mais nada de seu, perdera o filho antes de nascer, desistirá dos estudos, sairá do emprego, mal via a luz do sol... havia um misto de tristeza e raiva que fazia cada pedaço do seu corpo doer.
Respirou fundo e pode sentir o cheiro do café recém-passado e da janta feita.
Ouviu a maçaneta se mover e um terror lhe dominou, sabia que havia chegado a hora. Queria correr, gritar... Mas permaneceu em silencio, parada no meio do quarto, olhando a cama a sua frente e odiando as lembranças que tinha dela.
Ouvia os passos pesados pela casa e a respiração forte. Ouviu o barulho das panelas, o café ser servido e sorvido num gole só. Ouvia a geladeira ser aberta e fechada e depois o silencio.
Seu corpo doía em cada poro. O silêncio era tão ou mais assustador que a gritaria cotidiana. Ela sabia, sabia como seria. Ele a encontraria, a chamaria de todos os nomes que julgasse justo, a humilharia, ela choraria, isso afetaria muito mais a raiva dele, ele ia lhe bater, com força, com toda a força que ele tinha, ela ia sangrar, ia cair, seria atirada na cama e estuprada. Era assim, dia a dia, todo dia por semanas, meses, anos...
Ouviu o cinto ser puxado...
Ouviu a porta se abrindo...
Ouviu a respiração dele...
Ele se aproximou tal qual um animal, circulou, queria olhar nos olhos dela.
Ela tremia dos pés a cabeça, e respirava apresada.
Ele encostou seu rosto ao dela, e ela estava apavorada, ele sorriu e seu rosto se contorceu numa careta de dor.
Ela já não pensava, fincará a faca em sua barriga repetidas vezes, não chorava, não falava, ele agarrou seu braço e deslizou por ele sem forças para outro movimento que não fosse cair. Ela esperou que ele chegasse ao chão, e num golpe quase de misericórdia, cravou a faca em seu peito.
Olhou pra ele uma ultima vez, saiu do quarto escuro e sentou-se no sofá. Acendeu um cigarro, que era dele, tragou longamente. Era chegada a hora. Ela pegou o telefone, discou o numero, deu seu endereço e pediu que a viatura não demorasse. Deitou-se no sofá.

Estava livre! Acabara sua agonia. Ela era forte. Sentia a liberdade entrar em seu corpo e adormeceu.