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15 de abr. de 2016

As Mulheres de Sexta - 5º conto




Maria


Era manhã de sexta-feira, quando Maria acordou. Tarde demais para quem começava a vida sempre as 5 horas, mas naquele dia ela tinha folga. E precisava de folga. Trabalhava todos os dias na casa dos outros, mal via os filhos pequenos, mal estava em casa a tempo de limpar, arrumar, fazer jantar para o marido e por os filhos na cama. Ela bem tentava ajudar na lição, mas não tinha mais que o fundamental, então não era de grande valia.
Ela passava, lavava, cozinhava pra fora para ajudar nas contas da casa. Embora seu marido lhe dissesse que ela não valia nada, pois mal sabia ler e escrever, ainda se alegrava em comprar uma boneca para a filha e um boné para o filho nas barracas de camelô.
Agora já tinha quase 40 anos, 37 recém completadas, mas o marido, assim como a família, já diziam que ela estava velha e se fosse considerar as dores que sentia, ela também se achava velha.  o rosto não era mais liso e macio como antes, agora carregava marcas de sol; e os cabelos, levavam raízes brancas em boa parte do tempo; um contraste imenso com o preto da tinta desbotada, pois só pintava o cabelo 1 vez por mês e olhe lá.
Naquela sexta-feira de folga, a unica em que ela não trabalhava fora, tinha muito o que fazer dentro, e não só dentro de sua casa, mas dentro de seu ser. Sensação estranha era aquela que acordava com ela.
Às sextas, depois de levar as crianças na escola, voltava e dormia; e acordar era sempre bom, mas não naquela sexta. De todo modo ele não podia parar, e deu-se aos afazeres da casa. Coque alto com fios rebeldes em todos os cantos, ela passou a limpar e lavar.
Também às sextas, ela fazia macarrão, O marido adorava, embora sempre dissesse que ela já não sabia cozinhar, comia tudo. Mas a vida era assim mesmo,ela já sabia... Foi assim com sua mãe, e com sua vó e seria assim com a sua pequena filha, estava conformada.
O bairro era pobre, favela sempre é pobre. E ela foi buscar as crianças na escola olhando as ruas de terra... Ouviu um barulho ao longe e quando se deu conta, foi tarde demais. 
A viatura vinha em alta velocidade, atingiu-a em cheio arremessando-a pelos ares muitos metros à frente. A viatura não parou, tinha um chamado mais urgente para atender. as pessoas se aglomeraram em volta dela, mas não havia mais tempo.

O jornal da noite mencionou que a viatura perseguia traficantes quando uma mulher se jogou na frente do carro, sendo socorrida e morrendo no hospital.
A historia não f
Ninguém disse o nome dela, nem que era mãe, nem trabalhadora, nem que era negra. Ninguém sabia que ela era uma cidadã.

Naquela sexta-feira de outono, Maria virara estatística.




8 de abr. de 2016

As Mulheres de Sexta - 4º conto






Fernanda.

Acordar estava ficando pesado naqueles dias. Era tanto para dizer, tanto para fazer, tanto para pensar, Enquanto ela se vestia pensava na quantidade de tempo e de vezes que viveu aquilo... E sempre superou, sempre conquistou, sempre esteve forte. Mas, tantas vezes, sentiu vontade de parar... Ah sim, seria bom ter alguém que fizesse algo por ela, só as vezes. Ela estava cansada,
Sempre fora a mais inteligente, a mais forte, a mais esperta e e mais rápida; e ironicamente a vida lhe obrigada a provar, o tempo todo, aquilo que era. O tempo todo, era mesmo tudo do seu tempo. Do acordar ao dormir, do trajeto para o trabalho até voltar, das facetas de ser mãe, de ser esposa, de ser mulher... até ser filha ela tinha que provar tantas vezes... que cansativo.
Mas havia um lado bom. Ela provara, em todas as vezes, que era capaz; que era merecedora. Podem falar sobre meritocracia. Para ela era um fato.
Acordou o filho para a escola, e deixou o marido dormindo, Era o de sempre com açúcar.
Fez seu trajeto costumeiro e chegou no escritório atrasada;  já era parte de si. Só 15 minutos, nada demais, ela ficava tantas horas depois, que 15 minutos era quase uma piada,
Olhou em volta para o lugar conhecido de tanto tempo que quase desconhecia. Olhou as mesas vazias que eram dos amigos já idos. Empresa é assim, corte de custos e fim. Muita gente boa passou ali, Olhou as mulheres à sua volta, sabendo como era difícil se impor num ambiente tão masculino. Como era frágil a liderança feminina diante dos achismos machos dali. Impossível não pensar nas mulheres grandiosas com quem conviveu e de quem mal restara lembrança porque o mundo corporativo as engolia. 
Simples e cruel era a vida nesse mundo.
Concentrou-se na sua função, e quantas eram as coisas a serem feitas. Ligou aquele botão automático que as mulheres possuem e passou a produzir dentro do seu contexto. O dia era longo, misturado a um café, uma risada, um almoço, mais pensamentos e constatações.
Já era noite alta quando se deu conta que tinha que sair. Chamaria o táxi mais uma vez, ao menos isso. Ainda tinha a parte de chegar em casa, jantar, lição do filho, respirar. As vezes respirar tinha que ser lembrado. E foi assim que se deu, até quanto já era  bem tarde para ficar acordada.
Dormiu! Aquele sono de quem teve, mais uma vez, que provar seu valor; e sentiu mais uma vez esse cansaço antes de adormecer. Ela riu sozinha ao pensar que podia acordar com tudo diferente, um mundo mais justo, um vida mais tranquila.
Acordou e mal se lembrava de sue ultimo pensamento antes de adormecer, o tempo urge, a vida urge... Tudo de novo mais uma vez e estava pronta. No trem, em pé e cansada, ela suspirou. Sentiu o cansaço da semana, olhando as redes sociais, ela riu... Era sexta-feira, e nesse dia em algum lugar havia um pouco de afetividade!